domingo, 2 de novembro de 2008

Mulher de uma rosa só.




Desci as escadas com uma leve impressão que já tinha vivido aquilo. E realmente vivi. Não me lembro como nem onde, só sei que aquela memória estava muito viva na minha cabeça para ser um mero déjà vu. Faltava apenas mais um degrau, eu estaria livre daquele fardo. Busquei todas as forças dentro do meu corpo, pedi ao cérebro que movesse minhas pernas... Porém, paralisei. De alguma forma meus membros foram amarrados por uma corrente invisível que não só me impedia de descer, mas me puxava de volta para o terceiro andar. Resisti o que pude, forcei os pés, as pernas sangravam, segurei o corrimão com uma força impressionante, tão forte era que senti que rachava... Encontrei forças para urrar, quebrar paredes, chorar sangue... Menos para ir embora. Foi quando ele desceu.

Tive certeza que ele sentiu o meu peso na sua escada. Eu estava tão carregada, tão enfadonha, que o ambiente não me suportava... Expelia-me dali. Eu, que não podia me mover por causa da corrente, sentei no penúltimo degrau – em que estagnei- e comecei a chorar. Meu pranto, sujo e ralo, escorria por minhas mãos como se não fosse nada, como se não valesse nada, como o troco da padaria, a balinha de cinco centavos... Não servia nem para por no bolso. Foi quando senti que a mão quente e macia dele tocou meu ombro desnudo. E a corrente venceu. Em um minuto estávamos no apartamento dele transando loucamente.

Enquanto ele beijava meus braços, lembrei-me das vezes que os feriu com aqueles dedos leves e impiedosos; enquanto coçava meu colo com os dentes, lembrei-me de quando me puxava pela gola e me forçava a amá-lo como nunca. Ao término do coito, selvagem e sem sentido, me vi mais uma vez presa à minha triste realidade. Ele dormia. Eu tentei. Virei para o lado oposto ao seu rosto, e percebi a margarida solitária que repousava no vaso, e entendi: Sempre fui mulher de uma rosa apenas.

As rosas que já ganhei nunca me disseram nada. Flores, buquês, incensos, chocolates... Nunca vali um terço disso. Podia fugir, não queria, queria correr não podia. Mesmo quando dormia ele me observava e me ameaçava. Aquele olhar carinhoso que escondia o amor megalomaníaco que possuía. Não queria mais ser dominada com tantos afetos. O suave correr dos seus dedos, o caminho que aqueles lábios traçavam no meu corpo... Uma agonia, um ardor como brasa quente. Ou ferrão. Sentia-me um touro ferrado em brasa quando ele me tinha. Nunca precisei ser conquistada, porque assim como um bicho, me entregava ao dono. Se nunca quis, não precisava.

Cresci, levantei-me e entreguei-me ao espírito animal que me tentava, lati escárnios e enfureci os órgãos, os instintos. Levantei-me, corri, lhe acordei. Primeiro tiro. Segundo tiro. Revolta. Prantos. Não entendi mais nada.

Desci as escadas com uma leve impressão que já tinha vivido aquilo. E realmente vivi. Não me lembro como nem onde, só sei que aquela memória estava muito viva na minha cabeça para ser um mero déjà vu.



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Vamos aos comentários.

Essse texto bem... nasceu de uma dor de barriga e de uma situação vertignosa. E vertigem é vertigem, né?



Bem, não queriam entender, mas se entenderem... bacana.


5 comentários:

Caio Carvalho disse...

Uau!!!Pesado. Veemente. Singular. Daria um ótimo curta preto e branco. Um tormento psicológico do caralho! Uma agonia vermelha! Uma luta sem vencendores consigo mesma!Já imagino o som surdo dele vindo atrás dela. O silêncio. Os urros do sexo. A reflexão. O final.
Muito bom mesmo, Thaís!O texto está ótimo!!!!=)

Caio Carvalho disse...

Uau!!!Pesado. Veemente. Singular. Daria um ótimo curta preto e branco. Um tormento psicológico do caralho! Uma agonia vermelha! Uma luta sem vencendores consigo mesma!Já imagino o som surdo dele vindo atrás dela. O silêncio. Os urros do sexo. A reflexão. O final.
Muito bom mesmo, Thaís!O texto está ótimo!!!!=)

Fóssil disse...

[Caio ficou tão impressionado que repetiu pra dar ênfase! XD]

Mas acho que ele disse tudo. Ao que parece a mudança do Beco para o Diário não foi simplesmente estética. Teus textos estão cada vez melhores e esse me lembra até os textos da Lygia Fagundes Telles. E tu sabe que eu amo ela! *_* (e se não sabe deveria saber!).

PARABÉNS!

Ana Áurea disse...

eu acho que falou de sexo,Caio gosta do texto...acho que é por isso que ele nunca comenta nos meus Oo'.
Enfim,eu acho que essa personagem atordoada é uma prostituta maluca que finalmente se revoltou com a vida que levou e matou todos os bofes dela,BOTEI FOI FÉ NA MALUQUINHA!

Fóssil disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkk