terça-feira, 29 de setembro de 2009

Confissões de uma fada


Nunca pensei que um dia estaria escrevendo coisas como estas. Minhas lamentações não são tantas, mas são coerentes. Meus olhos viram e viveram muito, e ainda me falta tanto que paro, penso, e me pergunto: quem se preocupou com as minhas remotas intenções de nascer fada?
Oh sim, você deve estar imaginando o quão maravilhoso deve ser nascer fada, crescer fada, ter poderes mágicos, participar de histórias aladas, aventuras, duelos, fadigas... Sim, é uma vida hipnótica, e muitas de nós mergulham fundo nesta rotina. Parabéns a todas elas, podem estrear seu próprio conto agora. Mas eu não. Nasci fada, e ninguém me perguntou se era isso que eu queria. Tranquei-me no auto da minha própria torre, isolei-me destes príncipes e princesas insuportáveis e levo a melhor vida de fada solitária que alguém poderia querer.
Nasci de um canto, desafinado e sem jeito; tanto que a flor que me pariu murchou logo em seguida... Fui fada órfã. Não que fadas tenham pai e mãe como humanos ou animais, mas fui órfã de flor... Cada fada nasce de uma flor, e esta deve abrigar-lhe durante os primeiros meses de vida. Minha mãe-flor era um copo-de-leite, feia e mal formada, estava pedindo para morrer. Meu pai, o bem-te-vi que cantou meu nascimento, era velho e nem voava mais; ou seja, se dependêssemos destes seres, estaríamos muito, como posso dizer, encrencadas. Por estas causas, passei meus primeiros meses na colônia de fadas velhas, onde aprendi tudo aquilo que sei (e não uso).
As fadas nasceram para trazer alegria ao mundo, e para isso, devem ser boas atrizes... Somos boazinhas e invencíveis! Damos a vida por nossa causa! BALELA! Ainda me lembro de histórias tão horrendas que... Ah... Se as árvores falassem! Até que falam, mas você não as entenderia porque é um humano egoísta, e para ouvir as árvores, bem... É complicado, é preciso muito amor no coração e bons ouvidos. As árvores falam através do vento, e as vozes do vento são como enzimas: só podem ser decodificadas por certos meios e em certas circunstâncias... MAGIA, algo que os humanos jamais terão o controle. Sim, sim... O controle da magia é exclusivo para os seres da natureza... E você humano, já foi excluído desse time. Você detém a existência, o amor divino, o paladar, o olfato... O que sobraria para nós? Deixe-nos em paz com nossa razoável magia.
O mal da minha existência são os humanos, em especial esses príncipes e princesas que não sabem fazer nada sozinhos. A fada tem que estar sempre lá, e mesmo com poderes que podem fazer cegar, sua demonstração é desprezível. É costurar um vestido, aparar umas folhinhas que estão bloqueando o caminho do castelo, atender pedido de bonecos mentirosos, gente que não quer crescer... É sempre assim: servindo e nunca recebendo. Qual a história que você conhece em que a fada é resgatada ou que ela se apaixona ou qualquer outra coisa? AH... Você não lembra. NÓS NUNCA TEMOS FINAIS FELIZES PORQUE SIMPLESMENTE NÃO TEMOS FIM! É essa eterna roda viva, viva roda, rode sem parar. O meu mundo é mesquinho. Não há castelos, nem cavalos brancos, nem príncipes encantados. Não há sequer casa ou família, ou tinta e papel para imaginar e escrever histórias... Eu nem existo! Sou apenas fruto da imaginação de alguém que resolveu se indignar pela causa das fadas. Não nasci flor para ser cheirada, nem água para ser usada, nem fogo para queimar, nem ar para refrescar rostos quentes no verão. Nasci fada, porque quem escreve quis assim, e estou condenada a viver PARA SEMPRE presa nessa imaginação.


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anos sem postar! estou falando com o nada! uhu! assim que é bom.

o texto foi escrito quando minha amiga, Fada Lili, conversou comigo sobre sérios problemas que ela estava passando.

ah, besteira.


encarne o personagem, meu bem.

Um comentário:

Fóssil disse...

Que saudades desses teus textos despretensiosos e cheios de humor, falando de uma forma tão leve de temas tão profundos. Amei essa tua crônica, Tatá ^^ Sério mesmo, alegrou a noite.

Que bom que as fadas tem tu pra dar voz aos protestos delas =]

E bem-vinda de volta à blogosfera =] Por quanto tempo, não sei. x)