domingo, 6 de dezembro de 2009

Um dia eu sentei ao lado do amor


E ele usava um lindíssimo véu de prata bordado pelas mãos da mãe divina, estava nu à beira do mar azul, desenhando com os olhos o caminho das ondas. As suas mãos e pés estavam sujos de areia negra heterogênea e “acascalhada”, cheia de sedimentos coloridos e muitas conchas. O Amor cegava quando o sol lhe iluminava, sabendo disso fiquei esperta e em nenhum momento lhe dirigi os olhos. O que pude ver foi o que a água refletiu e a imaginação complementou.

Não sei se algum dia vocês chegaram tão perto do Amor como eu, e se chegaram, podem afirmar comigo o quanto ele é lindo. A pele não é branca nem negra, nem vermelha nem parda, eu até duvido que ali haja presença ou ausência de melanina; o amor é auto-suficiente em sua aparência. Ele, pra mim, era da cor da água que lhe refletia. Os olhos em nenhum momento se abriram, mas eu tive certeza que eram iluminados, como duas lâmpadas acesas, ou como os olhos da Medusa: podem cegar ou petrificar.

O Amor cantava baixinho um canto de sereia; afinado, harmonizado ao vento e ao bater das ondas; parecia música erudita. Sincronizado ao chacoalhar das folhas e galhos das árvores distantes e ao eco longínquo dos vales e das montanhas... O Amor me seduzia sem ao menos me encarar, o Amor literalmente me cantava. E me encantava.

Os cabelos longos e trançados daquele ser voavam em direção aos céus, e as criaturas mágicas levantavam seu véu para que a mãe divina lhe recebesse. A mãe divina, eu encarava, e ela igualmente me olhava, estava perfeitamente acomodada nos altos de uma nuvem de rubi, com as mãos esticadas querendo igualmente me receber. Mostrou-me acima das montanhas, uma outra nuvem; verde como a esmeralda. Convidou-me a nela deitar e a nela viver... Se com o Amor eu assim quisesse. Mas em nenhum momento o Amor me encarou, e em nenhum instante eu quis ter de olhá-lo.

A mãe divina e seus olhos de mel subiram acima dos céus e se perderam no alto do azul, o Amor com ela lhe foi, e os anjos estendiam as mãos para com eles eu ir. Mas como poderia eu, tão distante daquelas realidades, partir daqui e procurar felicidade nos vales do desconhecido? Os anjos ainda me sorriam e me chamavam... Naquele exato instante eu era uma criança que estava encantada por um doce que estava fora de meu alcance, em cima da geladeira talvez. Nada melhor que definir aquela sensação como a de querer um bolo de chocolate apetitoso exposto e disposto a ser devorado, entretanto inalcançável. Mas o vento cruzou o meu olhar, e abateu-me contra o chão. Eu inspirei, e não mais senti o cheiro doce. Levantei-me e não mais vi anjos ou nuvens, ou algum vestígio do véu.

Caí na arei negra, e enchi os punhos de cascalho e terra, de ódio e frustração. E o mar era negro. E o azul do céu se fora. E não havia lua, nem a estrela Vênus brilhava para meu conforto. E os vales e montanhas explodiam em vulcões. E o que era luz, era o fogo que queimava o céu e lhe partia em dois. E o Amor escapou por meus dedos, e jamais vi seu rosto.

Foi aí que percebi, ao longe, os cabelos negros e encaracolados que teciam as costas da Angústia, o que me chamou atenção; ela sentava em uma pedra rígida no meio do mar, e as ondas lhe atingiam bruscamente, contudo, não se mexia. No momento que percebeu meu olhar, a Angústia virou-se e me encarou com dois grandes glóbulos preenchidos de uma íris avermelhadamente volumosa, seduzindo meus movimentos e chamando-me para estar com ela. A mesma usava uma coberta de renda negra, confeccionada nos ateliês do inferno. Não sei se algum dia vocês chegaram tão perto da Angústia quanto eu, e se chegaram, podem afirmar o quanto ela é vazia.


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Não há o que explicar do texto. Para tentar entendê-lo embarque ao mundo dos pesadelos.




=D

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